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Diário de uma divorciada

Diário de uma divorciada

Nudez

Meu querido diário,
 
Até aqui tens sido testemunha do meu modo de estar na vida: feliz conforme sei, observadora, critica, participativa. Entusiasta o suficiente para que não apareças como uma página carregada de negras lamentações. Contigo, tenho partilhado aventuras, tenho divagado e feito sorrir muita gente, talvez até tenha posto alguém a pensar ou até tenha mesmo servido de exemplo sobre aquilo que se deve ou não ser. Há quem se inspire nas entrelinhas e há até quem se aventure a adivinhar-me. A verdade é que raramente me exponho. Fragmento-me em ideias e pensamentos mas raramente estou aqui na minha essência.
 
Parece-me que, hoje em dia, já me conheço o suficiente para puder descrever-me; para puder partilhar-me, finalmente, contigo e com todos aqueles que nos lêem. Afinal, quem sou eu? Que mulher se esconde por detrás deste estado civil? Quem é esta pessoa?
 
Às vezes simples, às vezes complicada...
 
Gosto de escrever e de escrever com vocábulos inequívocos, perfeitamente ciente que quanto mais simples as palavras mais universal a mensagem.
 
Tenho 36 anos de idade que ora corto ao meio ora duplico consoante a vida se me apareça mais distraída ou mais exigente.
 
Gosto de pessoas e gosto de gostar de pessoas, sobretudo das que me inspiram e das que têm algo para me ensinar (e todas mas todas acrescentam sempre alguma coisa àquilo que já sou). Tanto quanto possível, sou selectiva nas minhas amizades e afasto-me de quem se lamenta só porque o dia acordou cinzento.
 
Demorei muito tempo a perceber que a realidade, tal como os filmes, é feita de bons e de maus; de gente bem e mal intencionada. Para mim, como boa amante de psicologia que sou, até uma determinada altura, todos os actos eram justificáveis atendendo ao ponto de vista de quem os praticava. Um belo dia, sem saber como nem porquê, lá me convenci que não era, de facto, assim. Provavelmente, foi este o ponto de viragem que fez tombar por terra a minha capacidade de sonhar e me impeliu a fazer-me ao caminho por minha conta e risco. O mundo não cede apenas porque estamos frustrados.
 
Torno-me chata porque sou demasiado responsável e demasiado perfeccionista. Tenho a mania que sou independente, mas na realidade, embora consiga, geralmente, resolver sozinha os meus problemas, a verdade é que me escondo um pouco nesta minha carapaça de mulher auto-suficiente. Provavelmente, para não deixar que os outros se aproximem o suficiente de mim para me magoarem. Pois. Todos temos o nosso “calcanhar de Aquiles”...
 
Tenho muitas coisas que me realizam e acredito ser mais feliz do que uma grande parte da humanidade; amo viver e gosto de traçar objectivos um atrás do outros e só parar quando sou obrigada. Se há uma qualidade que me defina, essa qualidade é, sem dúvida, a persistência: se me proponho alcançar uma meta, posso demorar anos, mas acabo por chegar lá. A palavra impossível não consta do meu dicionário.
 
Já cometi alguns erros no meu percurso. Não me crucifixo por isso, sou humana. Creio bem que o maior de todos os meus erros foi o facto de ter-me casado com a pessoa com quem casei... Adiante, não gosto de arrependimentos, o que está feito, está feito e se é verdade que nós não podemos modificar o passado também é verdade que podemos lançar-lhe um novo olhar e dar-lhe um novo significado, um significado que justifique o nosso presente. E é isso que eu faço: se eu não me tivesse casado com aquela pessoa, a minha filha não estaria cá hoje e eu não consigo imaginar a minha vida sem ela.
 
Normalmente, não sou muito chorona nem gosto de alimentar estados depressivos, mas há alturas em que me sinto um pouco incompleta. São principalmente aqueles momentos em que uma amiga chora por um amor que terminou ou outra que partilha comigo a perícia sexual do seu novo namorado. É aí que eu, às vezes, me sinto envelhecer o dobro, um pouco assim como se vivesse fora do mundo ou fosse apenas uma espectadora que de vez em quando tem que arbitrar o jogo da vida dos que me cercam e manter-me, o mais possível, imparcial.
 
Sabes uma coisa, meu querido diário? Existem mil e um motivos para que eu, a cada dia que passa possa orgulhar-me de ser quem sou e de ter a vida que escolhi, mas nem sempre essa certeza impede este nó na garganta, nem mesmo quando regresso aos meus dezoito anos a flutuar numa irresponsável inconsciência...
 
Há quem tenha medo da morte, medo de arriscar ou simplesmente medo de perder. O meu maior medo é o de não conseguir perceber a tempo que ninguém vive sem amor ou pelo menos, sem a esperança de ter um dia a seu lado, alguém com quem mereça a pena partilhar quem somos.
 
Porque o mundo não cede às nossas frustrações mas está-se perfeitamente a cagar para quem escolhe apenas “ser forte”.
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