Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Diário de uma divorciada

Diário de uma divorciada

Amar de olhos abertos

Noutros tempos, uma mulher sofria um desgosto de amor e oficializava o seu estado de solteirice fechando-se num convento, a rezar e a procurar consolo nos braços imaginários de um Deus que tudo perdoa, fugindo assim ao estatuto de solteirona. Hoje em dia, continua no mercado como material em segunda mão à espera de uma nova oportunidade para sonhar e ser feliz ao lado de alguém.

 

Acerca da capacidade de uma pessoa voltar a apaixonar-se depois de enfrentar a realidade a sangue-frio, há uma questão que me assola o espírito faz tempo e para a qual nunca encontrei respostas: será a maturidade emocional compatível com o estado de paixão?
O passar do tempo, o acumular de desgostos, a experiência, levam-me a entender a minha vida como uma evolução: da insegurança da juventude à procura de um porto seguro no casamento; da decepção da convivência marital à coragem de enfrentar a família e o mundo rompendo com uma relação politicamente correcta; da dor da solidão ao estado de espírito livre de dependências, da cegueira do deslumbramento amoroso à descrença nas promessas dos homens… Não, não é que me tenha tornado amarga, não me vejo como uma pessoa amargurada, mas há muito que deixei de esperar por quem não sei. Talvez o meu padrão de exigências relativamente aos outros não esteja absurdamente inflacionado apenas porque estou mais lúcida, mas talvez seja um escudo, uma carapaça contra tentativas que, inconscientemente, considero inúteis porque nunca funcionaram comigo.
Fechada num convento, uma mulher podia ser feliz, podia encontrar a sua paz de espírito através das suas orações e esperar pacientemente pelo paraíso; fechada nela mesma e continuando a participar no mundo civil, uma mulher alimenta-se do dia, de mais um esforço, de um pouco mais de realidade, ao ponto de adquirir a capacidade de ver o cupido a atirar setas às pessoas que lhe estão próximas e sorrir maravilhada, enquanto pensa: “também já tive a minha vez”.
Quando uma mulher que já amou demais é obrigada a lutar para alcançar o seu lugar na sociedade, tem que pagar portagem: a estrada do passado é o outro lado, o que ficou para trás. Aqui, deste lado da cancela a via tem só um sentido para chegar a mim. E em mim a fé não me cega, em mim apenas a realidade e uma dúvida: será possível? Será possível uma pessoa voltar a apaixonar-se de olhos tão abertos?
https://c2.quickcachr.fotos.sapo.pt/i/M3513d944/14817700_s3CMz.jpeg

39 comentários

Comentar post

Pág. 1/2