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Diário de uma divorciada

Diário de uma divorciada

Em nome do Pai...

 

Há palavras que transportam em si um poder indestrutível, uma ideia incontestável; que encerram um sentido absoluto, sagrado, até. A palavra “pai” é uma delas, assim como a palavra “mãe”. Tanto uma como outra, são compostas por três letras; tanto uma como outra, emanam uma grandiosidade plena e encerram nelas uma noção de obrigação moral inata: “Deus é Pai”, “não há Pai para ele”. Pai é força, é guia.
Mãe. Mãe é dor, é parto, é sofrimento, é perdão. “Mãe é Mãe”.
 
É este o pano de fundo, é com base nesta raiz cultural que muitas mães, que sabem sê-lo (ou acham que sabem) lutam, teimosamente, há décadas, nos nossos tribunais, pelo direito dos seus filhos a terem um PAI, para além do biologicamente possível.
 
Pensemos um pouco: o que é ser Pai? Qual o significado real desta palavra, para além da moralmente enraizada na nossa cultura? Na verdade, Pai é aquele que contribui com uma semente sua, uma sua célula para dar seguimento à vida. O “pai-como-deve-ser”, aquele que participa e cumpre tanto quanto deve participar e cumprir na vida dos seus filhos, o que os acompanha e o que o faz por amor, esse não é obrigatório que exista. Aliás, nem mesmo a Mãe é forçoso que o seja, para além dos nove meses de gestação que a natureza lhe impõe, mas concentremo-nos agora no papel de “Pai” por que muitas mulheres continuam a debater-se na justiça portuguesa.
 
Gostava de apelar, por um momento apenas, à racionalidade de todas as mães “em guerra” por este país fora, pedindo-lhes, quanto mais nem seja, um minuto de silêncio, o mesmo minuto solene que se dedica a uma alma que parte, para olharem para dentro de si mesmas e reflectirem acerca do sentido das suas batalhas.
 
Mães: se é apenas uma questão material, é possível que a justiça resolva. Se é por isso que se debatem, talvez mereça a pena tentar. Na verdade, os tribunais podem obrigar um pai a pagar uma pensão de alimentos, a contribuir monetariamente para a educação dos respectivos filhos, mas é só. Quer isto dizer que se esperam que a justiça possa resgatar para as vossas crianças os restantes supostos direitos que lhes pertencem e que são “obrigação de pai” esqueçam, a justiça não pode. O poder, neste caso, reside dentro de cada pessoa, da sua própria convicção e valor humanos. Esse sim, é o poder absoluto, intrínseco: a noção de dever moral e o sentimento de responsabilidade, o poder da razão. Nunca este poder pode ser imposto por leis.
 
Pensem um pouco. Sejam coerentes com a vossa inteligência e com o vosso próprio papel de mães: acreditam mesmo que vale a pena? Recuem um pouco atrás. Reflictam. Tem valido a pena? Imaginam quantas crianças de ontem são hoje homens e mulheres que cresceram sem um pai que olhasse por eles, que os acompanhasse, que os guiasse na vida, que os amasse acima do seu próprio ego? Têm noção de quem são hoje essas pessoas? Das dificuldades que tiveram e têm de se afirmarem e aceitarem?
 
Reparem, se o pai dos vossos filhos não souber ser “Pai”, a culpa não é vossa! É inútil lutar e ninguém vos atribuirá uma medalha de mérito só porque tentaram. Amanhã, também os vossos filhos serão homens e mulheres. Muitos, serão órfãos de pais vivos que não quiseram saber deles, e serão também, e em simultâneo, não os “vossos” filhos, mas os filhos da mãe, da mesma mãe que os deu à luz e depois os lançou na escuridão de se sentirem rejeitados pela própria natureza dos homens que lhes negou o “pai a que tinham direito”. Pela vida fora, esses homens e essas mulheres idolatrarão uma figura paternal ilusória e irreal fundamentada pela percepção de justiça da sua própria mãe (ou qualquer outra que a represente).
 
Nem precisam ter consciência de toda esta problemática, “mães batalhadoras”, não precisam chegar tão fundo numa chaga social que dói pelo corpo todo. Basta apenas que pensem: até que ponto será justo atribuir à própria justiça a regulamentação de consciências?
 
Mais depressa a ciência agiria sobre o espermatozóide.
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Associação Virtual de Divorciados

 

Este blog existe há já algum tempo. Aqui chorei, desabafei, ri, partilhei, escutei e aprendi... Através deste espaço, comecei a dar-me conta que, afinal, a minha realidade era comum a muita gente. O divórcio é um percurso que começa dentro do próprio casamento e se arrasta até muito depois de ocorrer a separação efectiva. Normalmente, culmina na sensação pessoal de liberdade, alívio e até um certo orgulho. Mas demora tempo, por vezes demasiado tempo, até se chegar ao outro lado da ponte. Uma ponte que, enquanto é atravessada, vai ameaçando ruir, agitando-se com as tempestades de burocracias, suspensa por lágrimas e sentimentos de frustração e insegurança face ao futuro. Mesmo quando é o outro que parte e nos deixa a sós com a tempestade de dúvidas e incertezas, sem ninguém para partilhar a culpa a meias.
O divórcio, para mim, deixou de ser uma questão pessoal, à medida que fui recebendo comentários e e-mails de gente anónima à procura de um apoio, de uma palavra amiga, e a perguntar-me: PORQUÊ? Oh, meus Deus, se eu soubesse, se eu tivesse respostas…!! Quer dizer, eu tinha-as (tenho-as), as que colhera da minha própria experiência e dos livros de psicologia e sociologia, mas isso parecia um grão de areia insignificante, que não chegava para encher uma só mão estendida e tão vazia.
Embora nunca negasse o conforto e o alento a quem me procurava, houve um momento em que achei que era preciso mais qualquer coisa, não sabia bem o quê, mas tinha que existir algo mais que eu pudesse oferecer a quem me abria as páginas da sua vida e me iluminava as páginas do Diário, à procura da sua própria luz. E assim surgiu, naturalmente e no momento que é sempre perfeito para quem se encontra numa encruzilhada, o Fórum Divórcio.
O Fórum foi crescendo a um ritmo alucinante e o que julguei ser apenas uma pequena assoalhada deste blog, tornou-se uma coisa muito séria, de proporções gigantescas. Afinal, o divórcio é mesmo um problema social e pessoal de peso, a pedir urgentemente uma solução! Tantas histórias de vida, tanta gente a querer partilhar as suas experiências, tantas dúvidas, tantas incertezas relativamente a tudo o que envolve uma separação... Fiquei pequenininha, encolhida, esquecida de mim e daquilo a que costumava chamar “os meus problemas”, perante tamanha necessidade de afecto, amizade e compreensão; perante a solidão das pessoas que enfrentam um divórcio ou separação. Tornei-me atenta e desenvolvi a sensibilidade de distinguir a forma de quem chora e transborda de pranto num sorriso, observando a maneira como cada qual luta para manter-se de pé. Muitos conseguem erguer-se de facto (pelo menos aparentemente), mas há outros que ficam muito tempo inertes, perdidos e confusos, sem encontrar uma saída.
A sociedade prepara-nos para “ser alguém”; para sermos bem-sucedidos (materialistas, portanto); impõe-nos o direito ao ensino básico, tal como nos impõe a construção de uma família baseada na santíssima trindade, assente numa religiosidade de moral duvidosa. Não há espaço para os outros, a própria palavra “família monoparental” (designação dada às famílias formadas pelos filhos e um só dos progenitores), é referida em livros oficiais de Psicologia Social como sendo uma “anomalia”, e as estatísticas (bastante ultrapassadas e raramente nacionais) usam os números dos divórcios como um sinal de alarme, numa tentativa de chamar a atenção para uma parte da sociedade doente ou em crise.
Ninguém nos ensina a lidar com uma separação, ninguém nos prepara para viver bem na solidão, para viver bem enquanto pessoas, bem enquanto nós mesmos, para viver, simplesmente… Quando não se aceita, não se respeita; ignora-se e arruma-se ao canto, numa caixa fechada, guardada e esquecida, na sala escura da “tolerância”. Na realidade, ninguém quer saber do divórcio para nada, a não ser quando o mesmo lhe bate à porta.
O que fazer, então? Virar as costas ao “estigma” como se ele não existisse? Como se nos fosse completamente indiferente o facto de nos tornarmos marginais?
Os problemas geram necessidades de respostas e, uma vez mais, dei por mim a pensar que, provavelmente, o Fórum, só por si, é importante mas não é suficiente para face à grande problemática social que uma separação ou divórcio acarreta. E assim surgiu-me uma outra ideia, desta vez ainda mais arrojada: a ideia de formar uma Associação Virtual de Divorciados. Porque não!?
Neste momento ando já a tentar fazer alguns contactos com advogados que, por enquanto, queiram participar no Fórum, de forma anónima e desinteressada, com uma rubrica dedicada a esclarecer dúvidas jurídicas relacionadas com os processos de divórcio e poder paternal, e que queiram dar o seu contributo para o desenvolvimento da futura Associação Virtual de Divorciados.
Para consolidar bem esta iniciativa, para além de advogados e psicólogos, gostaria também de contar com o auxílio de pessoas ou entidades com experiência em Associações ou que possam, de alguma forma, colaborar. Todos os apoios são necessários e muito bem acolhidos, pelo que quem estiver interessado em apoiar esta ideia e ajudar-me a pôr de pé este projecto, faça o favor de contactar-me por aqui ou directamente para o e-mail: a.leandro@sapo.pt.
Uma gota não molha, mas muitas fazem correr um rio…
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