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Diário de uma divorciada

Diário de uma divorciada

Aventura no campismo

A Susana entra-me pela casa adentro, toda esbaforida e tão eufórica que por momentos julguei que lhe tinha saído o euromilhões e tinha escolhido a minha casa para desmaiar:

 

- Ana! Ana! Vamos acampar este fim-de-semana!?
- Acampar? Mas a que propósito vem isso agora?
- É que eu comprei uma “iglo” e conheço um sítio muito porreiro para se fazer campismo. Fica perto de Porto Covo!
- hmm!?
- Vá lá, vai ser divertido, estamos sem as miúdas e tudo!!
Por acaso nunca tinha ido à terra que o Rui Veloso imortalizou e até gostava de conhecer, mas acampar numa iglo!? Nunca me senti muito seduzida pelo campismo, mas talvez fosse altura de experimentar. Aquilo soou-me a aventura.
- Ok, bora lá, então!
Fizemos as malas e nessa mesma tarde, rumamos as duas no seu golf preto, alegres e divertidas, a cantar e a rir durante o caminho todo.
O primeiro parque de campismo em que paramos mal tinha espaço para a tenda, mas conseguimos arranjar outro mais afastado, campo mesmo, um enorme terreno, era só escolher o sítio.  Depois da diversão que foi montar a tenda, a Susana foi mostrar-me a zona (linda por sinal). Foi tudo perfeito até chegar a hora de irmos para a "iglo":
- Susana, eu durmo aqui do lado da saída (ai, não!). É  que eu levanto-me sempre de noite para ir à casa de banho (pois!).
Ainda ficamos algum tempo na conversa antes dela se virar para o outro lado e ferrar-se a dormir. É óptimo dormirmos com uma amiga, porque podemos falar no escuro até sermos vencidas pelo sono; se fossemos homens corríamos o risco de passar por gays.
Voltas e mais voltas no colchão de ar, mas como ficamos debaixo de uma árvore, o vento agitava as folhagens e eu não havia meio de conseguir adormecer; primeiro parecia-me ouvir chover (abria o fecho, punha o braço de fora, mas nada!), depois parecia que ouvia passos a aproximarem-se (é uma coisa difícil de admitir, mas eu estava cheia de medinho, pavor, terror, “miaufa”. Mais valia ter ido para a noitada e feito uma directa).
Levantei-me e fui até ao carro à procura de alguma coisa para fechar melhor a tenda. Encontrei um par de botas de homem, grandes que só visto! talvez o número 44!? Não interessa! O que interessa é que me ocorreu uma ideia luminosa: voltei à tenda e coloquei as botas à “porta”, viradas para a mesma. O engraçado disto tudo, foi que só adormeci já quase de manhã e depois tive que explicar à minha amiga Susana, que saiu lá para fora primeiro do que eu, o que faziam ali as botas do primo dela:
- Foi para não ir descalça à casa de banho, ehe!
"Quem não tem cão…"
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Solidão perdeu a rima...

 

Ultimamente, tenho andado tão ocupada que, com o tempo, pareço ter-me esquecido da solidão.

Esquecer a solidão, aprender a bastar-nos a nós mesmos, não sei se será um bom sinal. O sentimento de paixão surge mais facilmente quando nos sentimos carentes; quando ansiamos por um ombro onde encostar a cabeça; quando nos sentimos infelizes, incompletos. Já o amor… o amor verdadeiro não nasce de uma necessidade pessoal, mas de um impulso genético, natural, cujo interruptor é a nossa maturidade emocional.

Antigamente, a qualquer lugar onde ia, parece que só via casais felizes por todo o lado. Era uma situação que me deprimia e deixava desconfortável, era como se procurasse confirmar o facto de toda a gente estar “emparelhada” para apenas me massacrar, para me sentir ainda mais desgraçada.

Depois, veio outra fase: a fase de começar a não ver apenas os casais, mas a “olhar” para eles. E então notei que, especialmente nos casais mais velhos, elas têm um ar, no geral, mais “deslavado” e eles estão barrigudos e já não se barbeiam; ambos parecem já não ter brilho no olhar.

Agora, continuo a reparar nos casais, mas já não procuro entender se estão acomodados ou felizes. Não quero saber. E não quero saber, porque, finalmente, percebi que casar ou não casar, namorar ou não namorar… não é isso que define as pessoas. O que define as pessoas são os seus critérios de bem-estar na vida (porque falar de felicidade é mais subjectivo ainda) e a forma como batalham ou não para conseguir alcançar esse bem-estar. E esse bem-estar pode até ser comodismo. Não interessa. Cada um é dono de escolher o seu próprio caminho. E eu não preciso de mais dados externos para descobrir o que quero da vida, da minha vida.

Ainda este fim-de-semana fui a um evento sócio-familiar (chamemos-lhe assim) e reparei (é óbvio que ainda reparo) que toda a gente estava com um/uma respectivo/a. Vai daí, entreguei-me ao divertido jogo que consiste em descobrir quem-está-com-quem. E sabem o que foi mesmo surpreendente? Foi a conclusão que retirei dali: ao invés daqueles sentimentos esquisitos, dei por mim entregue à lógica do “Aqui não me safo!”.

 

Isto prova que a solidão não é nenhum monstro. Monstro é o uso indevido que fazemos dela.

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Piropos à trolha

 

Sabem aquela situação embaraçosa de passar por uma obra e termos que fechar os ouvidos àqueles piropos mesmo estúpidos que nos deixam sem saber se havemos de rir ou chorar? Pois ontem ouvi um novo que é o top dos tops. Chamaram-me “presunto pata negra”! 

(presumo que tenha sido um elogio, senão volto lá e faço-os engolir os tijolos...).

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Cidade

 

Da minha janela vejo uma história aos quadradinhos, nas traseiras dos prédios que ficam voltados para o meu:
Um casal de homossexuais que tem um frigorífico amarelo;
Uma mulher solitária que passa o tempo a espreitar pelas cortinas;
A casa do rés-do-chão, onde cães e gatos coabitam, indiferentes uns aos outros;
A roupa do rebento do casal jovem a crescer no estendal;
A palmeira que já chega à varanda do segundo andar;
A adolescente rebelde que fuma às escondidas;
As luzes de vários tons que acendem a noite;
Os tapetes estendidos nas manhãs de sábado…
Os meus olhos de criança provinciana, outrora cheios de sol e de campos a perder de vista, de pássaros e de estrelas, enchem-se agora daqueles rituais, daquela paisagem urbana, afundada no meio do betão, onde as pessoas se amontoam por cima umas das outras e assinalam a sua presença a estender e a apanhar roupa, a abrir e fechar janelas…
Os meus olhos pousam agora naqueles retalhos de existências atarefadas, quase esquecidos da cara redonda da lua…
Fecho a janela e recolho-me, cúmplice.
Envelheço também.
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Para alguém que nem sempre sei quem é...

Porque me ensinaste que o amor é livre, aprendi a amar-te na ausência e na distânca; a amar-te sem te ter para mim...

Às vezes reencontro-te na brisa que vem do mar, no sol que poisa na minha pele. Ainda na outra noite saltaste do meu copo para um olhar qualquer, um olhar perdido, tão penetrante como indecifrável. Vi-te assim, galante e bem parecido e a barba impecávelmente feita. Meti os dedos no teu cabelo e reparei que eras, de facto, tu! Aproximei-me dos teus lábios para te beijar devagar mas o teu beijo era diferente, nervoso e apressado, quase insaciável. Apertei-te contra mim para, de novo, sentir o bater descompassado do teu coração mas as tuas mãos inquietas insistiam em desenhar no meu corpo chamas ardentes, numa urgência cega e surda, indiferentes a todos os meus apelos.

 

E depois... depois fechei os olhos e afastei-me para deixar-te partir novamente, sem olhar para trás. Apenas por medo, muito medo de consumir-te no momento e nunca mais me apareceres. E fiquei a tecer os dias, as horas e os minutos, à espera de ver-te surgir de novo, porque sei que regressas sempre, seja sob que forma for...

 

Um dia, talvez não voltes a partir.

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